Quando você entrou na UFSC, em 2000, você já sabia que ia direcionar o seu curso para trabalhar com cannabis?
Não, absolutamente não! Mas acho que de alguma forma já sentia que queria ser cientista quando entrei na faculdade de farmácia… Eu já tentei de tudo na carreira, comecei trabalhando em laboratório de análises clínicas na seção de parasitologia (sim, exame de fezes), depois trabalhei com química orgânica, fiz estágio em farmácia normal, e no final do curso comecei a me interessar por farmacologia. Essa é a ciência que estuda como os medicamentos funcionam.
Também tive a sorte de interagir com o grupo do Prof Takahashi, que foi aluno do Prof Carlini e daí os canabinóides apareceram. E foi sorte mesmo, eu tentei 2 outros labs antes de ser chamado para esse. Já o interesse especificamente nesta área veio porque li um paper em 2000 falando sobre o sistema endocanabinóide e como ele está envolvido com cognição, emocionalidade e plasticidade sináptica. Esse foi meu “gancho” de interesse na área. depois , a coisa evoluiu bastante.

Sabemos que na época “falar” sobre cannabis ainda era considerado apologia. Qual foi a maior dificuldade que você sofreu nessa época?

Totalmente! Na minha defesa de mestrado, um dos slides foi justamente comentando que a Soninha havia sido demitida por dizer que fumava, que o Planet Hemp tinha sido preso e era perseguido por cantar sobre o tema, enquanto isso, o Prof Carlini tinha uma carreira linda sobre o tema, sem qualquer tipo de perseguição. Quando percebi que nós cientistas tínhamos um certo aval da sociedade para estudar coisas “polêmicas”, eu percebi que esse era um poder incrível, além de uma grande responsabilidade. Na época, me destaquei porque todos os pesquisadores brasileiros que olhavam para o tema pensavam em “dependência”, “prejuízo cognitivo” e essas coisas. Eu estava estudando uma potencial aplicação terapêutica, usando subdoses de agonistas canabinóides para potencializar o processo de extinção de memórias e como isso poderia ser usado para tratamentos de transtorno de estresse pós-traumático. Muito legal ver que de fato esse conhecimento fundamental dos experimentos foi legitimado, e de fato, hoje existe essa aplicação no exército de Israel, por uma pesquisa iniciada lá justamente pelo Prof Mechoulam.

Você já trabalhou e conheceu de perto o mundo canábico de vários países. Qual é o principal desafio do Brasil?
Sabe o que falta pro Brasil? Com o perdão da palavra, falta “tirar a bunda da cadeira”. Só isso. A sociedade já entendeu que a necessidade é real, há muitas oportunidades de negócios, empresas interessadas e muito know how de ponta para ser utilizado. Essa mudança é só questão de tempo, mas o nosso país costuma ser assim né… ter essa postura retrógrada. Não estamos acostumados a liderar, mas sim a copiar os exemplos externos, além de decisores que estão alheios a isso tudo, não se importam com as pessoas, e só querem encher o bolso de grana.

Há quem defenda o uso medicinal da maconha só através de laboratórios, há quem diga que pode ser preparada artesanalmente. Qual é sua opinião?
Tem espaço para todos, mas é necessário regulamentar explicar os limites de cada atuação. A possibilidade do uso artesanal é real, mas para uso terapêutico deve ser feito de uma maneira que se possa seguir certos parâmetros de qualidade mínimos, similar a uma farmácia de manipulação. Já uso social, honestamente acho que cada um sabe o que faz. Como profissional, no entanto, tenho interesse no desenvolvimento de soluções farmacologicamente mais sofisticadas e com mais pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico, e industrial. Mas não acho que porque penso assim, todo mundo precisa fazer igual. Há erros e acertos nas regulamentações, o que eu não gosto é de hipocrisias e distorções.Considero que o uso medicinal, é algo real e deve ser separado do uso social dentro da regulamentação e o uso social não deixa deter uma abordagem de prática integrativa de saúde, é o bem estar. 

O mercado da cannabis já é uma realidade, o que falta nesse mercado?
Não há dúvidas que o mercado brasileiro existe. No entanto falta criar o framework regulatório para avançarmos. Hoje existe quase não há produtos e existem oportunidades para muitos tipos de profissionais, principalmente para aqueles que compreendem as formas de produção. Temos muita experiência acumulada no país, mas de forma clandestina e pouco sistematizada, isso é um desperdício porque sabemos do potencial econômico onde já regulamentou, além das pessoas que podem se beneficiar, seja pelo uso medicinal ou por sair do ciclo de violência e obscurantismo em que o tráfico está envolvido. Na indústria farmacêutica não faltam profissionais tecnicamente habilitados para criar produtos com cannabis, pois é só “mais um” extrato ou composto. No entanto ainda faltam profissionais capazes de conceitualizar os produtos mais interessantes, úteis e que sejam focados em aplicações únicas e de alto potencial.
O CBD é só a superfície do potencial que essa planta tem e veja quanta transformação ele já trouxe. Imagina quando descobrirem do quanto mais esse sistema de neurotransmissão (e essa planta) é capaz!

Qual foi a maior curiosidade sobre a cannabis que você descobriu até agora?
Tem muita coisa porque o sistema endocanaboinde é muito vasto. Mas o tema que eu gosto e acho insano, é o caminho que essa planta teve até se tornar algo proibido. Foi criada uma “desculpa” científica para forjar isso tudo e o pior é que está demorando muito tempo para desfazer esse meme poderoso! Agora, se considerarmos só o cérebro, metade dos neurônios respondem e produzem endocanabinoides. Ou seja, quase todas as principais funções do nosso organismo usam esse sistema para trazer equilíbrio homeostático e balancear a neurotransmissão. Isso prova que já entendemos o suficiente para saber como e quando o uso da cannabis pode ser seguro, e quando deve ser evitado e que não existe qualquer motivo médico ou científico suficientemente forte para justificar a proibição e particularmente a perseguição que essa planta sofre!

Eu escrevi uma série de textos sobre isso chamado “Maconha mata neurônio?”e está diagramado bonitinho no ebook exclusivopara os assinantes do Canabista(e que pode ser acessado no menu downloads do seu painel).

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